quarta-feira, 4 de junho de 2025

Emocionalmente indisponível

Acredito que nenhuma experiência seja totalmente única. Seguindo a lógica da televisão — onde muito se repete a frase “nada se cria, tudo se copia” — as relações amorosas também parecem seguir padrões. Cenas, diálogos, fins e recomeços que se repetem, como cópias levemente alteradas de histórias que já vivemos ou que já ouvimos. Ou vai dizer que você nunca escutou alguém contar uma história que parecia, palavra por palavra, a sua?

Hoje tive uma epifania. Estava conversando sobre algo — nem lembro exatamente o quê — e, de repente, me vi refletindo sobre um padrão que sempre se repete nas minhas relações: os términos. Eles quase sempre seguem o mesmo roteiro. Tudo começa perfeitamente. Existe aquela fase encantada, de sincronia, de promessas silenciosas. Até que surgem os primeiros desencontros — de agenda, de opinião, de desejo. Pequenas rachaduras que se tornam abismos, até que tudo desmorona.

Até aqui, tudo bem. Relações terminam. Esquinas surgem, ruas que pareciam sem saída às vezes apenas dobram em outra direção. Mas o que me intriga não é o fim. O que me intriga é que eles voltam. Todos eles. Cada um com sua história, seu caminho, seu tempo… mas voltam. E eu me peguei querendo perguntar à minha psicóloga: por que isso acontece? Por que só depois do fim eles percebem que havia algo especial entre a gente? Que eu sou especial?

E então, a resposta surgiu. Simples. Quase óbvia. Ela sempre esteve ali — eu é que talvez ainda não estava pronta para enxergar. A verdade é que não tem nada a ver comigo. Tem a ver com eles. Com a disponibilidade emocional de cada um. Lacan fala sobre o desejo de possuir, e como muitas vezes o que nos atrai é o desejo em si — não o objeto desejado. Quando finalmente temos, perdemos o interesse. Ou pior: não sabemos o que fazer com aquilo.

No meu padrão, eu me afasto no início. Por medo. Crio paranoias, me preparo para a partida antes mesmo de viver o encontro. E, então, me entrego. Me envolvo. Cuido. Amo. Faço planos. Do outro lado, quase sempre o contrário: um início arrebatador, apaixonado, seguido por um recuo confuso, como se o amor que recebe diminuísse o amor que sente. Será que isso é possível? Talvez haja alguma explicação… mas, por ora, vamos voltar ao ponto.

Eles voltam. Sempre voltam. Lá fora, a selva deve ser mesmo perigosa - rs. E de repente, me torno a mulher ideal, aquela que a mãe pediu a Deus, a nora perfeita. E então, ouço arrependimentos, confissões, revelações tardias.

Mas hoje percebo que o verdadeiro ponto nunca foi o retorno. O que realmente importa é a disponibilidade emocional — a minha e a deles. Porque amor não é sobre sentir muito, é sobre estar pronto.

E talvez, quando eles estavam comigo, não estavam. E quando voltam, talvez ainda não estejam.

A minha disponibilidade emocional agora é só pra quem chega pronto, não pra quem volta tarde.

E isso, por si só, já é o meu recomeço.

💓




quarta-feira, 19 de março de 2025

Quando foi?

Quando foi que se sujar deixou de ser tão divertido?  
E colorir uma tela em branco passou a ser tão difícil?
Fazer novos amigos virou missão impossível.

Quando é que o simples deixou de ser importante?
E o que antes era empolgante, hoje já não inflama o amante?
O doce antes saboroso, agora se tornou insosso.
Só sobrou a lembrança no céu da boca.

Quando foi que passamos a temer a chuva e se esconder do ardor do sol?
O vento deixou de levantar a pipa e as janelas já não abrem mais?
Quando foi que a lama passou a pesar os sapatos e passamos a fugir das poças d'agua?


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